O uso de cannabis tem aumentado significativamente em todo o mundo, impulsionado pela legalização para fins recreativos e medicinais em diversos países. No entanto, os possíveis efeitos neurocognitivos do uso recente e ao longo da vida da cannabis ainda geram debate na comunidade científica.
Um estudo recente publicado na JAMA Network Open examinou a relação entre o histórico de uso pesado de cannabis e o uso recente com a ativação cerebral em diferentes funções cognitivas. Este estudo contribui para uma compreensão mais profunda dos impactos neuropsicológicos da cannabis, fornecendo informações importantes para psicoeducação e estratégias de motivação para o tratamento.
Contexto e Relevância do Estudo
Nos últimos anos, houve um aumento substancial na potência dos produtos de cannabis, nas taxas de uso e na prevalência de transtornos por uso de cannabis, especialmente em locais onde a substância foi legalizada.
• Maior acessibilidade à cannabis: Associada a um aumento de acidentes automobilísticos relacionados à substância.
• Uso frequente: Relacionado ao risco aumentado de síndrome de hiperêmese e doenças cardiovasculares.
• Apesar dos efeitos adversos, a percepção de que a cannabis é inofensiva continua a crescer na sociedade.
A meta-análise existente sugere que o uso de cannabis está associado à redução na ativação neural em processos relacionados à memória, função executiva, emoção, recompensa e processamento social. No entanto, a maioria desses estudos envolveu amostras pequenas (menos de 30 participantes), limitando a generalização dos achados.
Objetivo e Metodologia do Estudo
Objetivo Principal
Este estudo transversal teve como objetivo examinar a associação entre:
1. Uso pesado de cannabis ao longo da vida
2. Uso recente de cannabis
… e a ativação cerebral em uma série de funções cognitivas em adultos jovens.
Fonte de Dados
Os dados foram extraídos do Human Connectome Project (HCP), que inclui:
• Avaliação do uso de cannabis ao longo da vida
• Diagnóstico de dependência de cannabis (de acordo com o DSM-IV)
• Idade do primeiro uso de cannabis
• Triagem toxicológica de urina para verificar o uso recente
Período de Coleta e Análise
• Coleta de Dados: Agosto de 2012 a 2015
• Período de Análise: 31/01/2024 a 30/07/2024
Amostra do Estudo
Composição Demográfica
• Total de Participantes: 1.003 adultos
• 470 homens (46.9%) e 533 mulheres (53.1%)
• Idade média: 28,7 anos (Desvio Padrão: 3,7)
• Diversidade Étnica:
• Asiáticos: 6,3%
• Negros: 13,7%
• Brancos: 76%
Classificação dos Participantes
Os participantes foram classificados em três grupos com base na frequência de uso de cannabis ao longo da vida:
1. Usuários Pesados (> 1.000 usos): 88 participantes (8,8%)
2. Usuários Moderados (10 a 999 usos): 179 participantes (17,8%)
3. Não Usuários (< 10 usos): 736 participantes (73,4%)
Avaliação da Função Cerebral
A ativação cerebral foi medida por RNM funcional durante o desempenho de 7 tarefas cognitivas:
1. Memória de trabalho
2. Recompensa
3. Emoção
4. Linguagem
5. Motricidade
6. Avaliação relacional
7. Teoria da mente
Desfechos Principais
• Diferenças na ativação cerebral durante o desempenho de tarefas cognitivas entre os três grupos.
Questões Chave
• O uso recente e ao longo da vida de cannabis está associado a alterações na ativação cerebral?
• Como essas alterações podem afetar as funções cognitivas diárias?
• Essas descobertas poderiam ser usadas na psicoeducação para conscientizar sobre os riscos do uso de cannabis?
Implicações Clínicas e Psicoeducacionais
Este estudo fornece evidências robustas sobre os efeitos neurocognitivos do uso de cannabis, particularmente em usuários pesados. As descobertas podem ser usadas para:
• Educar pacientes sobre as potenciais consequências neurocognitivas do uso frequente de cannabis.
• Motivar usuários a buscar tratamento ao compreender os impactos na função cerebral.
• Apoiar psiquiatras e psicólogos na elaboração de estratégias de intervenção baseadas em evidências.
Reflexões e Próximos Passos
• Quais medicamentos ou terapias podem ajudar na recuperação da função cerebral em usuários pesados de cannabis?
• Existe algum efeito reversível na função cognitiva após a cessação do uso de cannabis?
• Como essas descobertas podem orientar políticas públicas sobre o uso recreativo e medicinal de cannabis?
Conclusão
À medida que o uso de cannabis se torna mais prevalente em diversos contextos sociais e legais, é essencial que profissionais de saúde mental estejam informados sobre os impactos neurocognitivos associados. Esta pesquisa oferece dados valiosos para fundamentar estratégias de intervenção e psicoeducação, auxiliando na tomada de decisões clínicas mais embasadas.